
Como intérprete do Brasil, Nádia Taquary ultrapassa a narração objetiva e impessoal. Sua abordagem funde sensibilidade estética e justiça histórica, alcançando a esfera do encantamento. Não por acaso, as pencas de balangandãs se impuseram como um dos núcleos de sua pesquisa. Conjuntos de amuletos usados por mulheres negras em Salvador, esses artefatos, muitas vezes de prata ou ouro, eram mais que ornamentos: funcionavam como poupança, acumulada pouco a pouco com o objetivo de comprar a liberdade de alguém. Nas palavras da artista, essas mulheres "tinham o corpo como guardador do próprio pecúlio, uma penca de balangandãs: que, quando atingiam o peso suficiente, eram trocados pela liberdade própria ou de terceiros, de um filho, de uma mãe."
Cada amuleto condensava também a espiritualidade de quem o usava. Os peixes, por exemplo, evocavam as Yabás das águas — Oxum, Iemanjá — orixás ligados à maternidade e ao cuidado. Guardavam, assim, aspectos íntimos da vida de alguém, permitindo uma arqueologia afetiva de personalidades ancestrais cujas histórias resistem ao esquecimento. Esses símbolos condensam saberes e afetos, articulando o que há de mais íntimo com os fluxos da história coletiva.
Se esses objetos testemunham o protagonismo de mulheres negras na construção de um país livre, o trabalho de Taquary lhes restitui a força simbólica em escala escultórica — por vezes, monumental. Suas obras, como as joias que evocam, capturam o olhar e situam o observador em um fluxo histórico transatlântico que atravessa Salvador. Mas mais do que registrar o passado, elas despertam a potência da beleza como forma de mediação — elo entre mundos, corpos e experiências.
Foi nessa cidade, onde técnicas africanas e portuguesas de ourivesaria se entrelaçaram, que emergiram formas que ajudaram a compor uma ideia de nação pautada por uma ética da memória. Criados por mãos afrodescendentes, esses objetos não apenas registram histórias de resistência, mas também produzem encantamento — o ato de adornar-se, assim, torna-se gesto de liberdade, inscrição sensível da história e mediação entre mundos.
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