





Faz um ano desde a última exposição de Renato Castanhari na Galeria Pilar. Na ocasião, o curador Tálisson Melo destacou um aspecto vacilante em sua produção: um deslocamento entre o rigor geométrico — herança da abstração concretista — e um lirismo difuso, próximo da paisagem e das abstrações de vocação romântica.
Renato é um artista experimental, no sentido mais estrito do termo. Seu ateliê opera como laboratório: testa materiais, explora os limites do suporte, investiga a espessura da pincelada e a química das tintas. A cor, para ele, é um campo de estudo. Examina matiz, luminosidade, saturação, brilho e opacidade, recorrendo inclusive a ferramentas digitais, como a captação fotográfica e softwares de decomposição de imagens.
Essa precisão analítica, no entanto, não resulta em obras cartesianas ou milimetricamente precisas em sua execução. Renato parece vacilar entre elementos antagônicos justamente porque, como os poetas, ele analisa os materiais de sua linguagem — a cor, a textura, a matéria — como se fossem fonemas. Fragmentos mínimos, dotados de sentido potencial podem ser combinados para evocar impressões, emular sentidos e despertar memórias e afetos. Ao justapor uma cor a outra, ou uma pincelada escultórica a uma área de cor lisa, ele constrói jogos sensoriais que só emergem nesse encontro específico.
Agora, em 2025, o espaço, que antes era apenas sugerido na superfície da tela, se intensifica e ganha corpo. Ele não mais se limita à evocação de profundidades ou atmosferas: expande-se para o ambiente que nos envolve e que torna possível o confronto com a obra e, consequentemente, a própria visão.
Com suas novas telas de dimensões reduzidas, Renato acentua o desejo de que suas pinturas assumam o caráter de objetos. De um só golpe de vista, somos capazes de apreender seus limites, suas laterais e a parede que as sustenta, fazendo com que seus contornos se ofereçam inteiros ao nosso olhar. A tinta, aplicada com espessura e pinceladas escultóricas, reafirma, por outro lado, uma aspiração ao simbólico e ao sublime: insinua texturas vegetais imersas em atmosferas de luz acastanhada. Ao mesmo tempo, revela a obra como aquilo que ela é — tinta, madeira, tecido —, matéria compartilhada com o mundo, vestígio do gesto formalizador do artista.
Essa ênfase na materialidade desdobra-se agora em esculturas. Feitas com os mesmos elementos das telas — torcidos e recombinados —, elas assumem formas verticais e antropomórficas, concebidas para serem vistas frontalmente, como pinturas em três dimensões. São a demonstração mais clara de que a “vacilação” notada em 2023 era, na verdade, um movimento investigativo: uma reflexão sobre o estatuto da pintura no mundo e sobre como o ato de ver exige que a imagem se inscreva no mesmo espaço onde também nos localizamos.
Renato se insere numa tradição que passa por Alfredo Volpi, sob a leitura de Mário Pedrosa. É uma linhagem que compreende o artista como um trabalhador ético e não-alienado, responsável por criar experiências visuais que rompem com as formas rotinizadas da percepção, resultando numa arte que interpela o observador e reafirma que o ser humano é o criador do mundo que se apreende pelos sentidos.
É por isso que Renato evita experiências que eclipsam a visão e que negam, portanto, o espaço de atuação do pintor. Suas esculturas são concebidas para serem observadas de um único ângulo. Se fôssemos obrigados a contorná-las, partes essenciais se perderiam de vista, provocando a mesma interrupção da experiência sensível que ocorreria se suas telas fossem gigantescas, excedendo os limites do olhar.
A tradição na qual se inscreve é crítica do papel das imagens no capitalismo. Não por acaso, o caráter material e objetivo da pintura alimenta sua pesquisa, em oposição ao universo das imagens digitais — sem corpo, esquecíveis, feitas para desaparecer e serem consumidas com velocidade vertiginosa. O uso de cores dessaturadas e terrosas, assim como o aspecto de desgaste pelo tempo, reafirma essa posição: contra a luminosidade violenta das telas, Renato aponta para a tradição da pintura como ofício, cara aos mestres renascentista e aos modernistas artesanais e meditativos.
Sua recusa em eclipsar a visão não é apenas uma escolha formal, mas uma tomada de posição: contra a dispersão das imagens digitais, que pulsam e desaparecem, sua pintura reivindica a permanência no tempo, a interpelação do corpo e a presença física no espaço como instâncias fundamentais da experiência estética.